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Onde mora nossa essência

Volte no tempo. Você é criança. Agora, pense em algum dia que te transporte para algo que realmente te marcou e que é capaz de resgatar a sua essência mais profunda. Algo que te traga a felicidade que só uma criança pode ter, em acontecimentos simples. Eu vou te contar a minha história: boba, real e que enche meu coração de alegria.

 

Eu devia ter uns oito anos de idade e o meu irmão uns doze. Estávamos na chácara do meu pai e nos preparávamos para escolher alguma coisa para brincar e eliminar o “tédio” – sim, entre muitas aspas – que o nosso cantinho no meio do nada proporcionava para nós, crianças cheias de energia e cheias de vontade de se divertir.

 

A chácara era um refúgio que tinha um pouquinho do que cada um de nós mais amávamos. Tinha o meu quarto com estrelas coladas no teto (aquelas que brilhavam no escuro), um alçapão incrível no quarto do meu irmão (igual aos filmes americanos) e tinha todos nós juntos, sempre que possível – essa era a parte que a minha mãe e o meu pai mais gostavam e, hoje, é a minha parte preferida também.

 

À noite, costumávamos levar algum VHS para assistirmos e, à tarde, éramos sempre criativos para brincar (fora de casa, como boas crianças raízes, que éramos e somos). E foi em uma tarde de tempo bom e criatividade no auge, que o meu irmão olhou para mim e falou, com muito carinho, como de costume:

 

- Otária, eu tive uma ideia. Vamos pegar a nossa bicicleta e brincar de matar uns orcs.

- Adorei! Como? - respondi animada.

Sim, a gente amava Senhor dos Anéis (eu amo até hoje).

 

Como uma irmã mais nova, eu dificilmente recusava alguma brincadeira que ele propunha - eu achava sempre o máximo. Então, agora, eu só queria entender qual era a ideia para começarmos a colocar nosso plano em prática e ajudarmos o Frodo a conseguir destruir o anel.

 

Ele me explicou tudo! Primeiro, fomos até a oficina do meu pai (um quartinho cheio de equipamentos) e pregamos algumas ripas de madeira para formarmos duas espadas – uma para cada um. Nossos cavalos seriam nossas bicicletas e o terreno da chácara seria o espaço da narrativa que íamos começar a construir.

 

Com uma das mãos, a espada, com a outra, o guidão da bicicleta – absolutamente impossível para a minha quase inexistente habilidade. Eu dava tudo de mim e suava frio, enquanto o infeliz do meu irmão (que sempre foi bom em todas essas coisas), desfilava, pedalando por todo lado. Na nossa história, ele, provavelmente, era o Aragorn, e eu, com certeza o Legolas (meu preferido), e estávamos indo muito bem na nossa jornada. Ok, ele bem melhor do que eu, mas não era uma competição, ou era?

 

Desbravamos terras, matamos muitos orcs e ajudamos o Frodo na saga da destruição do anel. Nossa missão estava cumprida!

 

O que eu não esperava, era carregar essa memória até hoje (22 anos depois) – e, provavelmente, por toda minha vida. Eu não esperava que uma brincadeira tão boba fosse capaz de moldar tantas coisas dentro de mim e fazer eu resgatar quem eu sou, mesmo quando tudo parece tão distante e tão diferente.

 

Foi em uma das minhas meditações, tentando me reconectar comigo mesma e buscando respostas que conseguissem me guiar, que eu cheguei a essa memória, guardada lá no fundo. Ela me trouxe uma alegria gigante, resgatando traços profundos da minha personalidade, que me ajudou a lembrar quem eu sou. E eu precisava lembrar.

 

Tenho 30 (quase 31) anos, tenho uma carreira, uma casa, planos e sonhos. Mas eu também sou a Aline que brincava em dias de Sol e que ainda pode se permitir a rir e se divertir com o bobo, com as coisas mais simples que a vida dá. E quando eu penso na chácara e em todos os orcs que combatemos, eu fico feliz. Feliz como uma criança que tem estrelas que brilham no teto.

 

E que mal tem ser feliz como uma criança? Que mal tem a gente gostar de criar, imaginar, brincar, se divertir e acreditar? Quem sabe até não foi isso que me fez sonhar em ser escritora? Quem sabe o quanto cada pequeno acontecimento da nossa vida determina em nossas escolhas futuras? Quem sabe?

 

Que mal tem a gente, às vezes, querer rir do bobo, do ingênuo e do inofensivo? Nem sempre precisamos ser inteligentes, nem sempre precisamos ter todas as respostas. Às vezes, só precisamos nos divertir para nos reconectarmos com a nossa essência e nos lembrarmos quem somos.

 

Divertir, imaginar, brincar, rir. Isso tudo também é coisa de adulto – mas faça, como uma criança faria.

 

Precisamos, às vezes, nos divertir como uma criança.

 

E toda vez que a vida estiver séria e difícil demais, eu vou pegar a minha espada e vou me preparar para combater alguns orcs por aí.

 

Você vem comigo, precioso? Opa, curioso?

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